sábado, janeiro 24, 2009

Videotape - o Novo Bei de Túnis.

Senhores, depois da derrota do Fluminense para a LDU meu espírito se recolheu temporariamente a versão sobrenatural do Sanotorinho. Não há nada que deixe um homem mais tísico do que uma derrota estrondante e indevida. Os bofes saltam a boca e o lenço de linho com arminho se torna carmim. Após razoável recuperação, não me senti inspirado em escrever sobre o certame nacional. O carioca sente a dor do exílio quando tem de ir além de Madureira.
Hoje tivemos a primeria rodada do certame carioca. Assito ao jogo do Alvinegro de Venceslau Brás esperançoso que algum fato de interesse humano nos redimisse do estado lamentável do gramado da arena do Boavista, ensopada como uma Sibéria degelando e pisoteada pelas tropas equestres de Napoleão. O polo aquático era o esporte mais recomendado para as condições vigentes.
O destaque e, assim, meu personagem da semana deveria ser Maicossuel pelos dribles e os dois gols redentores que definiram a vitória alvinegra. O jovem mostrou talento, ousadia e um viço de possesso dostoiveskiano. Ainda assim, o árbitro ganhou a condição de figura de destaque de maneira pusilânime.
O árbitro no futebol tem prerrogativas comparáveis a infalibilidade papal. O Senhor do Apito tem poderes superiores ao Bei de Túnis. Não sei bem se há ou mesmo se houve uma Bei de Túnis. Mas, quando imagino esse personagem, o vejo sobejamente poderoso e incostestável.
O primeiro lance duvidoso foi o gol anulado do Boavista. O árbitro não validou o tento com base na idéia de que Leandro Gurreiro foi empurrado pelo atacante do Boavista. O toque houve. Mas, a sutileza do gesto me faz questionar se deveria ser considerado uma falta no "Rude Esporte Bretão". Notem que, por influência dos ingleses, chamamos o futebol de "Rude Esporte" e o Boxe de "Nobre Arte". O afável movimento do atacante do Boavista não tem a virilidade necessária de uma falta.
Mas, o completo desvairio ainda estava por vir. Alessandro faz um gol de cabeça. O juíz valida o gol, aponta o meio-campo e corre nesta mesma direção. A defesa do Boavista cerca o bandeirinha com ares de Blitzkrieg. Atestam que o gol não aconteceu e que a bola passou por fora entrando por um furo na rede. O bandeirinha intimidado confirma a informação e chama o árbitro. O ábitro confabula com o bandeirinha. Direciona-se ao gol para checar as condições da rede. Valida novamente o gol e corre para o meio mais uma vez. Os times estão dispostos para a saída de bola. Mas não há bola. O gândulas orientados pela diretoria do time de Bacaxá não facultam a ferramenta principal do futebol ao time do Botafogo. O Bandeirinha de novo cercado é atendido pelo árbitro. O quarto árbitro pergunta aos repórteres sobre o que era dito nas transmissões de TV. Os jornalistas confirmam que a bola entrara por fora. Informação sabida pelo quarto árbitro e transmitida ao Juíz e aos bandeirinhas. O time do Botafogo segue esperando, armado do outro lado da risca central. O juíz, sabedor da verdade extemporânea e burra do videotape , volta atrás da decisão duplamente confirmada de validação do gol. A bela obra do Sobrenatural de Almeida é rapidamente desmontada. Sabemos que tal personagem teve seus momentos de glória na idade média e vive hoje cada vez mais aislado em seu quarto infecto no Irajá. O uso do videotape pode representar a morte definitiva desse que parecia eterno. Além de toda essa discussão metafísica, pensemos agora na questão de direito. Um erro de fato é compensado por dois ou três erros de direito. O juíz compensa seu vacilo de fato, legalmente confirmado duas vezes, voltando atrás com base no uso ilegal do videotape, já repudiado como recurso de decisão no futebol. E o jogo só não começou depois do gol duplamente validado, pois abola fora malandara e ilegalmente escamoteada por minutos a fio, dando tempo dos árbitros se informarem do que dizia a reportagem televisiva. Eu havia dito que o árbitro era um verdadeiro Bei de Túnis. Minto e erro. O Verdadeiro Beis de Túnis hoje em dia é a televisão e sua escusa e burríssima arma do videotape. O apitador ainda conseguiu ignorar um penâlti claríssimo em Maicossuel, que fora golpeado nas costelas após uma sequencia de salames dionisíacos aplicados na defesa do Boavista. Maicossuel, ainda assim, consagou-se com mais um gol, além da meticulosa falta na gaveta. Um gol de cabeça com os rútilos olhos abertos. Vitória do Botafogo. Mas, derrota do Sobrenatural. Em tempos de racionalismo, o Sobrenatural de Almeida leva vida modesta no já citado quartinho infecto no Irajá. Mas tomará chá e whisky com os senhores alinhados da International Board para reclamar do todo-poderoso e, ao mesmo tempo, subserviente juizinho do jogo. Todo-poderoso diante das verdadeiras estrelas, os jogadores; subserviente, diante do quarto poder maldito da ignara imprensa esportiva e seu burríssimo e ilegal videotape. O futebol trabalha com o limite da condição humana. Se os olhos humanos não conseguem ver em uma fração de segundos é problema dos olhos humanos. Vige o Sobrenatural. Os velinhos da Board não permitem o uso do videotape para decisões no futebol, para o bem da emoção. Viva ao conservadorismo. Já mandei comprar casaca de feltro engalonada e calça princípe de Gales para o Sobrenatural de Almeida. Ele vai a próvxima reunião da Board sussurrar no ouvido dos velinhos bebedores de chá e Whisky: "vocês estão certos. Não ao videotape e punição para quem usar de tal arma funesta e ilegal!"
Que o futebol seja sempre a experiência do limite da condição humana!

Nenhum comentário: