segunda-feira, junho 09, 2008

CALA-TE BOCA

Vocês se lembram do Santos de Pelé e Coutinho? Vocês se lembram do futebol feérico do Santos de então? Pois, desde este tempo um time brasileiro não derrotava o Boca Juniors no certame continental. 45 anos de espera por um time brasileiro ser capaz de espantar o fantasma do quadro portenho. O Fluminense foi na última quarta-feira, como eu já havia prenunciado aqui uma semana antes, o triunfo do homem brasileiro. Um vaticínio divino é muito mais que um palpite de esquina. A vitória sobre o Boca era fatal e irrevogável. Os argentinos menosprezaram o Fluminense a semana passada inteira. Nossos 30 títulos cariocas foram transformados em meros campeonatos de bairro, em vitórias em peladas de casados contra solteiros. Fomos apupados, estimulados e encolerizados pelas declarações dos argentinos. Devemos agradecer ao senhor Ischia, técnico do Boca, a imprensa argentina e mesmo àqueles entendidos que, apesar de brasileiros natos, ridicularizaram as pretensões tricolores de vitória. Todo esse menosprezo nos virilizou como um afrodisíaco.
O irretocável triunfo tricolor tem todas as características da expiação do complexo de vira-latas do brasileiro. Assim como precisamos perder uma Copa em casa para sermos campeões 8 anos depois, o Fluminense precisou cair no mais fundo poço para se reerguer com uma fênix e brilhar internacionalmente. E, da mesma forma que a seleção de 58 foi massacrando seus adversários, um a um, apesar da descrença dos entendidos de plantão, o mesmo fez o Fluminense. Para a crítica especializada o Boca era o time que jogava melhor fora de casa. Era o time que não se assustava com nenhuma torcida. Todos sabemos que nem a morte expia o dever clubístico. Os tricolores esgotaram os ingressos e ainda encheram os botecos para ver o jogo. A cidade toda explodia em três cores. Mas, vem a batalha. De um lado, o várias vezes campeão da Libertadores Boca Juniors fazendo mais uma partida. Do outro, o Fluminense fazia a partida mais importante de sua história. Com essa idéia completamente introjetada na cabeça de cada um dos craques tricolores, apresantávamos um elán vital insuperável. E como havia dito o nosso Rei Nato: "O Boca nunca enfrentou o Fluminense no Maracanã lotado". Dito e Feito. Eles que não conheciam o Fluminense, passaram a conhecer. O senhor Ischia após o jogo insitia, como na semana anterior, que seu time tinha sido superior em todos os aspectos. Os jornais argentinos disseram que o Boca caía de pé. Estranha queda essa de pé. No futebol a vitória nunca é por pontos como no boxe. De que adianta o Boca ter atacado mais se não foi capaz de nos nocautear. Aliás, o gol de Dodô teve justamente esse caráter de golpe de misericórdia. O Boca já cambaleava como um urso bêbado e com toda docilidade nosso esteta, nosso estilista da pelota desferiu-lhes o golpe fatal. Dodô mereceria uma crônica a parte. Ele já havia reclamado da reserva duarante a semana. Como num romance de Dumas, o pai é claro, Dodô era nosso Dartagnan. E Vinte anos depois ele voltava às Laranjeiras para nosso triunfo. O senhor Ischia devia ter dito que Dodô e não o Boca fora superior em todos os aspectos. Foi ele que numa jogada brilhante recebeu a falta que gerou o primeiro gol do Fluminense num sacrossanto chute de Washington. Foi que ele que deu o passe milimétrico para o gol de Conca. E foi ele ainda que desferiu o golpe fatal sobre o todo-poderoso quadro portenho. A crítica especializada muito falara sobre Riquelme. E não se viu ou ouviu nenhuma palavra sobre Dodô durante toda semana. Até um tijolo é capaz de reconhecer a genialidade de Dodô, mas não o jornalista profissional de futebol brasileiro. Vi diversos jornalistas declarando que nosso Rei Nato estava certo de deixar Dodô de fora da grande decisão. Diziam que ele era um jogador de pouca força física e de pouca velocidade e que diante da energia do quadro portenho seria menos um em campo. O que é correria desvairada e obtusa diante da genialidade? Dodô deu arrancadas fulgurantes, passes mais na bandeja do que a cabeça de São João Batista. Mas, um dos mais belos momentos foi o drible do reloginho. Seu marcador foi transformado em um palhaço de mil guizos. Estranha fragilidade de um touro de soneto, estranha lentidão de puro sangue bravio. Dodô calou o Boca e a boca de muitos entendidos. Antes de terminar não poderia esquecer de louvar nossa retaguarda. Fernando Henrique, como eu já havia dito, é a volta da leiteria. Esse rapaz que vinha injustamente sendo chamado de frangueiro pela nossa própria torcida foi mais uma vez uma Muralha da China. Lá atrás, Luiz Alberto, um monstro sagrado, um guerreiro incansável, chutava até bola. E Tiago Silva é justamente chamado pela torcida tricolor de "melhor zagueiro do Brasil".
Logo após a vitória tricolor o presidente da LDU fazia-nos um favor incrível. Ele declarou que preferia fazer a final com o Boca, um time internacional, do que com o Fluminense um time pouco conhecido. Parece que eles não aprenderam a lição com seus primos mais ricos argentinos. Eles vão seguir nos fornecendo esse combustível metafísico para as vitórias esmagadoras: a sede de vingança dos humilhados. O Fluminense será de novo o herói do Brasil. Expiaremos nosso complexo de vira-latas mais uma vez. E a LDU será nosso bode expiatório, nosso cordeiro de Deus. E não teremos piedade deles!

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