quinta-feira, janeiro 25, 2007

A DERROTA DA TEIMOSIA E A VITÓRIA DO RESSENTIMENTO

Exultante com a vitória tricolor só pensava em ir pra casa para escrever minha crônica. Mas por amor ao futebol, por solidariedade a um colega alvinegro solitário e por ossos do ofício resolvi assistir o jogo entre o campeão e o vice do ano passado. Durante o primeiro tempo os jogadores botafoguenses estavam perplexos. Não com o time do tricolor suburbano, mas com a massa pó-de-arroz que não deixava as arquibancadas e não parava de gritar. Além de já terem cumprido sua parte e exultarem seus jogadores, os tricolores resolveram atrapalhar a vida do Botafogo. Atônitos os jogadores botafoguenses já entendiam que o espetáculo maior era da torcida tricolor. Meu colega botafoguense insiste que a diferença de número, de volume, de energia das torcidas se explicava pelo televisionamento do jogo do time de General Severiano. Isso não imune nem isenta ninguém. Sabemos que nem a morte expia o dever clubístico. Botafoguenses vivos ou mortos deveriam ter lotado o Maracanã para exaltar o atual campeão. O time botafoguense se sentia como uma infantaria sem retaguarda. Estavam no front sem ninguém que os desse cobertura.
A ausência de Dodô foi o primeiro equívoco de Cuca. Um craque, um virtuoso, um estilista, um goleador desde a pia batismal como é Dodô não poderia ficar de fora nem por decreto. E não estava machucado, resfriado, doente. Dodô não sofria sequer da mais sumária coriza. Cuca o queria em plenas condições físicas para o segundo jogo. Ora, não me venham com gráficos de performance. Dodô estava salubérrimo e mesmo que tivesse uma perna amputada faria diferença. Erro crasso, e diria mais, a ausência de Dodô foi um equívoco ululante de Cuca. Talvez Luís Mário devesse ser poupado. O cigano ponta depende de seu estado físico, de sua correria obtusa se transformar em arrancos de cachorro atropelado. Mas não Dodô. Para ele basta a presença em campo. E a bola vem lhe lamber as chuteiras como uma cadelinha amestrada.O outro erro de Cuca foi escalar Zé Roberto no ataque ao invés de no meio de Campo. Zé Roberto privado do poder de comandar o time. Zé Roberto, de costas, apanhando sordidamente dos zagueiros inescrupulosos. Zé Roberto, enfim, fora de seu metiér.
Mas os botafoguenses argumentavam que o Botafogo atacou desde o começo. Que o botafogo atacou mais. Que o Madureira fez dois gols de contra-ataque. Pois o Botafogo caiu na armadilha do tricolor suburbano com tremenda inocência. Depois dos dois gols tricolores, o Botafogo era um Prometeu acorrentado. E que gols, diga-se de passagem. A crônica esportiva elege, com razão, Valdir Papel como o grande nome do jogo. Sem dúvida um dos grandes responsáveis pelo triunfo do Madureira. Os idiotas da objetividade vão dizer que não houve triunfo, que houve, apenas, empate. Ora, um empate diante do atual campeão já é um triunfo. Mas voltemos a Valdir Papel. Meu colega alvinegro, um esquerdista nato e hereditário ironizava Valdir Papel enquanto lia a escalação: - “Centroavante de time pequeno, Tigre de Papel...” E não é que o Valdir Papel declara depois do jogo que:- “Não estava movido pela mágoa de não ter sido contratado por um time grande mas queria sim mostrar que tinha valor para tal”. Ora, já aprendemos com Freud que isso não é muito diferente de dizer: - “Estava movido pela mágoa de não ter sido contratado por um time e queria sim mostrar que tinha valor para tal” Aliás, os outros nomes do Madureira foram justamente jogadores movidos pelo mais puro e cristalino ressentimento. Pensemos no futebol apresentado por Djair e Maicon. E, mais que tudo, pensemos no histórico emocional e subjetivo destes jogadores. Djair, um jogador que vestiu amarelinha e que já fora outrora tratado pela mídia como craque. Hoje em dia relegado à condição de comandante de time pequeno. E, acima de tudo, um sujeito criado, desenvolvido e consagrado no Botafogo. Djair já se oferecera profissionalmente não só ao seu clube de nascença bem como aos demais grandes do Rio. E. Djair deu com a cara na porta. E por que? Porque acreditamos cegamente que o sujeito com mais de trinta e poucos anos é um Matusalém futebolístico. Eu falei na crônica anterior sobre o primeiro jogo da rodada dupla na ressureição de Alex Dias. No caso de Djair devemos falar em algo ainda mais improvável: a exumação de um vivo. Depois de tanto tempo redescobrimos Djair. Transpassadas as borboletas do caixão, notamos que Djair está vivo e aliás salubérrimo. Os odiadores do futebol clássico desse quase Didi vão opor o fato de que ele é lento. Mas Djair sempre foi lento. Desde o mundial de novos onde foi vice-campeão ele já era lento. Não se trata de idade. Nem de velocidade. Djair é um jogar meditabundo, racional, frio e consciente. Ele não precisa de correria obtusa, desvairada. Ele vai hipnotizando o time adversário com seus passes de lado a lado do campo. Ele não precisa correr é claro, quem corre é a bola e os atacantes que recebem seus lançamentos perfeitos. Devemos lembrar que não há nada que dinamize mais o futebol que o lançamento em profundidade. E seus lançamentos são mais na bandeja do que a cabeça de São João Batista. Aliás, pra colher seus lançamentos além do próprio Papel estava ali Maicon. Enjeitado pelo Botafogo, devolvido ao Madureira como um inútil, o jogador queria chupar a carótida dos alvinegros como uma laranja descascada. E via-se pender de sua boca a baba elástica e bovina dos possessos. Maicon só faltou plantar bananeiras. Corria, tabelava, driblava, combatia. Ele fez tudo que não fez pelo Botafogo no ano passado. Os três enjeitados, os três relegados, os três apátridas nômades comandaram o Madureira: Valdir Papel, Djair e Maicon. Aliás, Cuca errou de novo em não escalar o garoto André Lima desde o começo. O atacante ex-Madureira esteve exultante a semana inteira para rever seu ex-time agora vestindo uma camisa de um time grande. E sabe-se lá que sentimentos de inferioridade a presença de um escolhido teria gerado junto aos enjeitados. Note-se que Cuca até pode entender algo de futebol, mas nada de psicologia. Aliás, o jovem André Lima disse ao que veio no pouco tempo que jogou, correndo, lutando e marcando seu gol de empate salvador, libertando o Botafogo das correntes da derrota. E que pintura. Uma meia-bicicleta de antologia. Diga-se de passagem, a sua entrada em campo bem com a de Jorge Henrique virilizou a equipe botafoguense. O primeiro gol do Botafogo nasce de uma arrancada de Jorge que centra para Zé Roberto aplicar um chute de virada lindo. Jorge Henrique mostrou que é um furioso, um touro de soneto, um rútilo epilético, um possesso. Um jogador como esse não pode ficar de fora. Mais um erro de Cuca. Dirão os especialistas que Cuca consertou a equipe em campo com suas substituições. Mas só se pode consertar aquilo que está errado. Por que a equipe que terminou o jogo não foi a que começou? Pela mais simples burrice e teimosia do treinador alvinegro.E, por que com as substituições, o Botafogo quase ganhou? Por que de maneira cristã, o treinador alvinegro se arrependeu e reconheceu seus erros. Cuca, com sua teimosia temperada de arrependimento, promove aos torcedores botafoguenses o prazer funesto que tanto lhes apraz: o direito de descompor seu treinador. O Botafoguense tem esse esporte na mais alta conta. Esculhambar o treinador é quase tão importante para um alvinegro como o próprio futebol.E nada melhor que um sujeito que erra e, reconhece o erro, para dar mais força, mais verossimilhança, mais desejo, ao funesto vício de praguejar contra o treinador. Desde Zezé Moreira um treinador não estimulava tanto a tal tara do botafoguense. Mas um erro ele não pôde consertar. Dodô não estava nem no banco, nem na lista. E, assim, o erro irremediável, eterno e metafísico garantiu o empate ao Madureira. O Botafogo empatou mas foi derrotado pela teimosia de seu treinador e pelo ressentimento dos jogadores que enjeitou.

A FUGACIDADE DA LIDERANÇA

Senhores, não é hora de escrever bem. Fosse eu um Goethe na Itália escreveria pessimamente neste momento. A rodada dupla da noite de ontem no Maracanã foi arrebatadora. Os torcedores mais apaixonados assinalarão a reestréia de Carlos Alberto como ponto alto da noite. Os entendidos, por sua vez, consideraram a sua reestréia discreta. Estranha discrição essa de uma diva diante de mil refletores. O jovem tricolor volta ao seio materno com juras de amor. E comeu a bola desde o início do jogo. Sabe-se lá que forças ocultas ajudaram ao goleiro Adriano a impedir seu gol de falta. Carlos Alberto, filho pródigo, volta à casa e com ele os adversários parecem clowns de mil guizos. Em dado momento ele dá três ou quatro salames dionisíacos em um pobre marcador. E sem lembrar de seus lançamentos.
Mas não podemos deixar de louvar Alex Dias. O centroavante era dado como morto e enterrado pela imprensa paulista. Dirão os detratores do atacante que ressurreições são inexplicáveis. Mas Alex Dias não ressuscitou, pois nunca morreu. Sempre esteve salubérrimo. Precisava apenas do carinho de uma torcida que o apoiasse. E que torcida. Tricolores vivos e mortos encheram sua metade do anel e ainda tomaram grande parte do território botafoguense. Um amigo alvinegro insistiu que o gol fora feio. Gol feio? Por que? Pergunto a ele. Ao que ele responde: porque a bola bate na mão do goleiro antes de entrar. O que me fez achar o gol ainda mais belo. O chute oblíquo, o esforço do goleiro em evitar o gol, a forma com que a bola entra no cantinho dão ares épicos à jogada. E dramaticidade ainda maior, ganha o movimento como um todo pela completada de Rafael Moura. Sabemos que ele toca a bola depois de transpassada a linha fatal. Mas o gesto serve para confirmar duas coisas: que estava escrito que seria gol, naquele momento, de qualquer forma. E, também, que Rafael Moura é de uma saúde vacum e um ímpeto heróico. Não é a toa que ganhou a alcunha de He-Man.
Devemos lembrar que mesmo os heróis de desenho animado têm seus arreganhos de pundonor, de medo. Mas Rafael, limitado tecnicamente ou não, é capaz de dar a face à chuteira do adversário, de oferecer seu peito largo e épico de havaiano de filme às esporas dos defensores.
Dirão os idiotas da objetividade que o placar mínimo não configura uma grande vitória. Mesmo que o Fluminense não tivesse marcado seu gol mereceria uma vitória por pontos como no boxe. Se Fluminense e Friburguense tivessem lutado diante de juízes sérios a contagem das papeletas revelaria uma diferença intransponível entre as duas equipes. Depois do gol só restou ao Fluminense deslizar como um cisne de lado a lado. E Carlos Alberto, ao mesmo tempo, cerebral e impetuoso junto à torcida conduzindo, como um maestro, o olé magnífico e seu coro. Carlos Alberto liderava o meio de campo de cetro na mão e manto púrpura como um Rei Lear.
No banheiro após o jogo vejo um amigo pó-de-arroz como eu gritando: Líder! Líder! Líder! Apupado pelos torcedores botafoguenses que ironizavam o grito de liderança na primeira rodada, ele respondeu com pendor filosófico: A vida é curta! A vida é passageira! O Sábio do mictório nos mostrou aquilo que Sartre dizia. Cada momento é constitutivo de nossa existência. E feliz é quem sabe viver esse momento. Os tricolores podem e devem comemorar a liderança mesmo que curta e passageira. Pois passageira e curta é a própria vida.
Mas já ficou claro que somos candidatos inequívocos ao título. Quem sabe não lideraremos o campeonato de ponta a ponta? A máquina tricolor está de volta.Um clube como o Fluminense saturado de glórias, coberto de títulos quando estréia desse jeito, opera desse jeito em moto-contínuo. Ainda mais numa competição de tiro curto como a Taça Guanabara. Grite: - Líder! Faltam apenas quatro jogos para o título da Taça Guanabara! Se deus quiser!