sexta-feira, maio 23, 2008

CORAÇÃO DE LEÃO

Senhores, não é hora de quebrar lanças pelo estilo como preconizava o nosso velho Bilac. Só nos resta louvar o mágico, afável e épico triunfo tricolor. Os idiotas da objetividade, a crítica especializada insistia que experiência e a força física do tricolor paulista falariam mais alto. O berro impresso das manchetes insistia na vantagem do tricolor do Morumbi. E eu, atônito, seguia me perguntando aos amigos pó-de-arroz como eu se a crônica esportiva conseguia vislumbrar algo mais que força física e experiência como fatores determinantes no futebol. Não há dúvida, o tricolor Paulista tem uma saúde vacum, mas o tricolor carioca, esse sim, é o time das vacas premiadas. Além do mais, não estávamos disputando título de pugilismo ou telecatch. Mesmo assim o bravo Conca recebeu dois tapas estalados de contra-regra de filme sob o riso pusilânime do árbitro. Mas nos atenhamos ao caráter feérico do primeiro gol. Ouvi dizer de um ou outro membro da plebe ignara que Washington Coração de Leão era apenas um fazedor de gols limitado e que o Imperador esse sim era grandioso. Que Washington era um centroavante medíocre se comparado ao Imperador Milanês. Primeiro devemos lembrar que Imperador na Itália é romano e jamais milanês. E, depois só um gênio da cabeça à ponta dos sapatos poderia fazer um gol de calcanhar daquela maneira. A clavidência do toque, pensado, intencionado e executado, inclusive, com um certo grau de crueldade revelam a genialidade de nosso craque. Washington poderia ter pego a bola de virada e estufado a rede. Mas, ele preferiu um movimento mínimo e plástico para completar o desvio de Cícero. Latino por latino prefiro um Cícero, cultor da palavra, poeta e sábio que um Adriano sem Roma, um rei à milanesa. O fato de Washington ter sofrido de problemas cardíacos e ainda por cima ser diabético só fazem a sua figura mais intrincada, heróica e carambola. Não é qualquer reles mortal que vai a mesa de operação, passa pelo bisturi e segue jogando com esse amor. Talvez os idiotas da objetividade não tenham notado, mas pairava na cabeça de Washington um alo de santo ou herói desde o primeiro minuto de jogo. E, no ritmo de seu coração, ampliado pela angioplastia e pela inquebrantável energia da torcida pó-de-arroz, o time se desdobrava superando a tão decantada força do Morumbi.
Mas pensemos no desenho da batalha e na forma com que os desígnios da vitória foram construídos. Eu e mais 70.000 tricolores queríamos Dodô em campo. Sentíamos falta do sorriso de Dodô. E nosso estilista, nosso esteta vinha massacrado por uma viagem à Suíça para se defender do que não fez, do que não tinha culpa. Dodô vem sendo enjaulado pela apoteose da burocracia. Mas Dodô tem um sanidade mental de dar inveja. Pensei que veríamos um Joseph K. aturdido e cansado pelas incessantes chincanas jurídicas. Mas ele estava lá assinando a súmula com aquela cara de quem pensa na morte da bezerra. Se todos tivéssemos a tranquilidade de Dodô, o doutor vienense viveria de catar papel na rua. Dodô é um desses que não se descompõe diante de nada, nem mesmo do grito do rapa.
E essa alteração dá todo o caráter trágico à batalha de tricolores. Depois de uns cinco minutos insuflado pela entrada do craque, o fluminense começa a perder espaço na meia-cancha para o tricolor do Morumbi. A falta de Arouca que corre mais que personagem de desenho animado, abriu espaço para a correria obtusa do fortíssimo tricolor Paulista. Mas nesse momento o desenho da tragédia do tricolor paulista se figurava. Como um Napoleão na Sibéria, Muricy mandava seus comandados a frente sem entender que nem sempre avançar no território alheio é a melhor medida nas grandes batalhas. Muitos tricolores acreditaram que diante do gol de Adriano após cruzamento de Aloísio o Fluminense pereceria com uma laranja descascada. Mas era isso que precisávamos para a grande vitória. Precisávamos de um time encolerizado e apupado. Naquele momento nos tornamos onze rútilos epiléticos. Onze não, minto, éramos apenas 10. Dodô seguia com aquela mesma cara de quem pensa na morte da bezerra. E depois de seu gol, oportuno e desmoralizante como todo gol por debaixo das saias do goleiro, podemos ver seu sorriso. Deve-se lembrar que Dodô nem sequer pega a bola no fundo das redes e sai correndo como é de esperar nesses momentos. Ele já sabia que a vitória tricolor estava escrita há dez mil anos atrás. Ainda estávamos lutando contra tempo naquele momento na visão crassamente racional dos idiotas da objetividade. Ouvi que o São Paulo como um time mais experimentado ou resistiria a pressão tricolor ou faria outro gol no contra-ataque. Chances mil perdemos. Gabriel e Conca, sempre Conca. Mas, o destino iria premiar o nosso mais saudável jogador. Como numa tauromaquia de Goya maltratávamos o touro, mas esperávamos o último momento para desferir o golpe fatal. O Coração de Leão, o safenado, quase enfartou alguns tricolores. Não a mim que já sabia dessa vitória de cór. E a torcida tricolor viveu eternamente aquela fração de segundo entre a cabeçada e o transpasse da linha fatal. Assim na terra como no céu!

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